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Writer's pictureFrancisco Capelo

As novas regras da arte

Updated: Mar 24, 2021



Hoje em dia existem muitos pintores que se dedicam a ensinar. Eu próprio o faço, e com sincero orgulho. Mas ensinam… apenas uma técnica: a sua. Se pintam em óleo sobre tela, ensinam a pintar em óleo sobre tela. Se desenham retratos com carvão, vão ensinar a desenhar retratos feitos com carvão, normalmente em papel canson.


Ora, eu não tenho, em princípio, nada contra o facto de cada artista ensinar aquilo que sabe fazer; é até uma boa ideia, para evitar cair em generalizações vagas que os alunos topam à distância.


Agora, há toda uma série de conceitos que se perdem, perante uma atitude aparentemente tão séria e correcta - mas que se revelará no entanto tão errada, limitada e até algo anti- pedagógica num futuro bem próximo. Porque um artista será sempre algo mais do que apenas um pintor. A alma de poeta actua também a este nível - um nível que é efectivamente muito mais amplo, muito mais profundo e inspirador.




Eu passo a explicar, em 5 pontos que merecem, parece-me, uma reflexão atenta:



1. Versão bom samaritano: “Eu faço isto porque acho que é o melhor para o aluno


Nem sempre e nem por isso. O pintor- professor tem prioridades; e ele está, em primeiro lugar, não a pensar no melhor para o aluno, mas no melhor para si mesmo. E o que é o melhor para si próprio ? – Ter mais alunos. Matemática simples, verbo fácil de conjugar !


Perante um artista iniciante, nada mais rápido e indolor: promessas de grande evolução criam a ilusão necessária para o aluno optar por aquele professor – e não outro. Por vezes nós pintores e artistas nem nos damos conta de que isso realmente acontece assim e de que estas são as reais causas.


É duro de ouvir, mas infelizmente acontece bastante. Será mesmo que um professor de arte, ao sentir a vocação mais abstracta de alguém e sendo ele um pintor realista, vai recomendar um outro professor ? Ou vice- versa ? Ou um escultor - irá ele recomendar um desenhador ?


Já aconteceu practicamente com todos, e eu mesmo não serei aquele que vai atirar a primeira pedra. Quem sabe se eu mesmo nunca padeci do mesmo mal ? Lembro-me pelo menos de um caso em que posso perfeitamente ter errado neste aspecto - e fica aqui expresso desde já o meu muito sentido: mea culpa, mea maxima culpa.



2. Versão Da Vinci tardio: “O desenho é a base de tudo


Os hiper- realistas habitualmente pensam e dizem isto; e repetem várias vezes - quem sabe para se auto- convencerem da ideia: “- Aqui vais aprender a desenhar a Sério”.


Ora, eu pergunto apenas: e que tipo tão especial de desenho é considerado esse tal de desenho a Sério - não me dizem ??


Sejamos honestos: provavelmente não se trata de desenho a sério, e sim de uma nova roupagem do classicismo, da tradição realista no seu pior, pois tenta-se impor uma perspectiva retrógrada, rígida e historicamente ultrapassada de entender a arte a um aluno ainda com pouca noção de história das artes visuais.


Obras fundamentais e inclusivamente fundadoras da Arte Moderna como as linguagens gráficas de Paul de Klee e Joan Miró e o estilo único de um Escher ou Giger e outros que tais nem entram no vocabulário destes professores. E é pena - sobretudo para o aluno, que tem a bela e transformadora sensação de que está a evoluir imenso - estando contudo na realidade apenas preso a um só estilo e a uma só forma, muito parcial e muito datada, de entender a arte.



3. Versão pintor adulto: “A arte é pura representação: tudo o resto não existe


Errado. Erradíssimo. Aliás, no início do século XX o extremo e radical realismo da fotografia e da imagem em movimento (cinema) causou inclusivamente e de um modo directo a tão necessária revolução artística, que já se impunha há muito tempo e que quebrou definitivamente o Tabu da representação da realidade. Posso falar do movimento abstracto assim como do cubismo como representantes máximos deste autêntico combate à ditadura da normalidade do realismo e a uma certa interpretação literal da regra da perspectiva, mas de facto temos de reconhecer que tudo começou na veemente e frontal repulsa ao sistema do Salon de Paris e na ruptura estética e temática do Impressionismo. Os artistas divergiram completamente do senso comum e do que se esperava deles. E como sempre - tinham toda a razão do mundo com eles, uma razão que apenas o Tempo lhes foi reconhecendo.


Logo, um professor de desenho e pintura actual que ensine que arte é somente representação, não só ensina pouco, como o pouco que ensina é profundamente falso e enganador e tem o poder nefasto de destruir pela base uma vocação autêntica que lhe apareça à frente.


Um conselho aparentemente válido - mas que é no fundo, pelo contrário, um autêntico beijo de Judas..



4. Versão novo- rico: “Temos de trabalhar com os melhores materiais


Eu estou certo de que em Faculdades de Belas Artes espalhadas um pouco por todo o mundo decerto existem professores que ensinam isto – poderei estar enganado (mas é pouco provável que esteja): ter a melhor tela, com a estrutura de madeira mais resistente e duradoura, comprar as melhores tintas e etc e tal.


Bom. Segundo esta peregrina ideia, movimentos artísticos inteiros – como por exemplo muitas manifestações do Expressionismo (desde A. R. Penck a Jackson Pollock), ou a Arte Pobre (com Jannis Kounellis à cabeça), Informalismo europeu, Performance, Instalação - e obras essenciais como as de Jean Tingueley, Niki de Sainte Phalle, Kurt Schwizers, Rauschenberg, M. Millares ficariam à porta desta estranha e elitista Academia-da-tela-perfeitinha.. E eu estou só a citar os mais óbvios ! Tudo isto representa simplesmente grande parte da arte mais inovadora do século e tudo isto seria arrasado até às suas fundações visuais se acreditássemos em tal recomendação. Ainda bem que isso da "alta qualidade do material" nunca fará sentido para muitos artistas porque quem está enganado aqui é este "professor" que lê pela cartilha bem pensante e pseudo- culta - e não os artistas que continuam a fazer arte de enorme impacto com pedaços de madeira ou tecidos cortados ou metais torcidos ou pregos ou arame. Siga para bingo..



5. Versão arte- é- bela- e- pronto: “A beleza da arte renascentista nunca será suplantada


Pois. O problema estará sem dúvida aqui – neste pré- conceito, neste gosto tão enraizado, nesta visão de tão curtas vistas - que deturpa todos os valiosos contributos que surgiram depois. Do Dada até ao Conceptual e mais além, há todo um Universo de coisas diferentes por descobrir. Mesmo a recente e implausível pública declaração de amor ao Impressionismo enforma do mesmo mal: a natureza ainda é aqui perceptível, e após uma época tão necessária de gozação pública, este movimento tornou-se finalmente uma Moda graças às boas graças de alguns - e é agora um dos últimos cânones aceites de uma forma consensual da arte ocidental.





Deixem-me agora falar-vos de algumas ideias de composição visual que estes pintores-que-se-tornaram-professores tendem a ignorar por completo:


. A regra das diagonais de Joan Miró


. A regra do desequilíbrio estrutural em Antoni Tàpies


. A regra dos mosaicos de Vieira da Silva


. A regra do desenho infantil em Dubuffet


. A regra do mix explosivo de texto + imagem em Jean- Michel Basquiat


. A regra das perspectivas profundas e aterradoras de Anselm Kiefer


. A regra das instalações inovadoras de Joseph Beuys e Louise Bourgeois


. A regra dos ready- made de Marcel Duchamp



Há tantas, tantas, mas tantas novas ideias e técnicas introduzidas pela arte moderna e contemporânea que nem sei por onde começar !! "Regras" que alteraram totalmente a maneira como se organizam os elementos visuais dentro de pinturas e desenhos e esculturas..


Para citar o excelente pintor abstracto e um dos grandes artistas ainda vivos, o alemão Gerhard Richter:


"A minha técnica de pintar.. é saber quando devo parar !"


Perante esta declaração tão reveladora e sincera do próprio artista - ainda faz sentido continuar a defender com unhas e dentes que a única técnica válida e que a única temática válida são aquelas que curiosamente ficaram "retidas na Alfândega" lá por volta dos anos de 1910- 1916 - quando Picasso e Kandinsky exclamaram juntos mais ao menos isto: - That´s enough ! A partir de agora quem manda é o artista. ??


Portanto, não me venham com preconceitos antigos, já batidos e pessoais mascarados de ciência absoluta. Porque, em arte, isso sempre significou uma e uma única coisa, que muitos tentam impor de mansinho, tentando que os artistas autênticos não notem a marosca e deixem passar:


. C-L-A-S-S-I-C-I-S-M-O !


. R-E-A-L-I-S-M-O !


. N-A-T-U-R-E-Z-A !



Ou seja - Cópia da realidade. Pura e dura. Velha roupa em nova montra. Mas o produto é o mesmo de sempre.



Peço uma única coisa a estes pintores- professores:


Por favor não contem meias verdades aos alunos iniciantes. Se alguém tem uma vocação clara para algo que não dominam, recomendem um professor que domina essa área criativa. Dou um exemplo de como isto é fácil de fazer: eu sou um pintor abstracto, expressionista e com alguns elementos do surrealismo. E já recomendei várias vezes a alunos que queriam ter aulas, um pintor aguarelista completamente realista e também um pintor que mistura o hiper- realismo e o surrealismo. Fi-lo com muito gosto. Não me consta que o contrário tenha acontecido - nem é isso o que me preocupa ou interessa. E com esta decisão não tive de engolir nenhum orgulho, nenhum amor- próprio, nenhum sapo. Não me custou absolutamente nada e não me caíram os parentes na lama por isso. Fiquei pelo contrário contente - pelo aluno, pelo meu colega e também pela minha atitude - em si mesma. Genuinamente.



Esta mensagem é simples de entender, creio.


(Isto sim, é ser sério)


A Sério !!



 

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