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Juiz inho Tintin



“ Página Facebook Juvebêdê - 16 de março às 09:14 - Pinturas de Tintin, por Xavier Marabout, levadas a tribunal


O artista Xavier Marabout, pintor e escultor, tem várias obras cujo protagonista é o Tintin. E nas suas pinturas vemos outro lado de Tintin. No entanto, as suas reinterpretações não ficam por aqui pois as pinturas que realizou do famoso repórter criado por Hergé, são também novas versões de obras do pintor Edward Hopper. Ou seja, Marabout recriou pinturas de Hopper, utilizando o Tintin como personagem principal. Acontece que a Moulinsart não gostou destas versões de Tintin e avançou com um processo em tribunal contra o artista plástico.

No entanto, estas obras voltaram a acender o debate sobre o tema da sexualidade de Tintin, pois em quase todas elas, Tintin aparece acompanhado por mulheres sedutoras e charmosas. “




Isto reacende um debate eterno sim, mas esse debate sobre a sexualidade de Tintin é apenas nevoeiro para papalvo ver e populaça gritar. O verdadeiro debate é este: onde existe plágio? Onde existe um uso abusivo de imagens dos outros? Há todo o interesse em serem os próprios artistas visuais a assumirem as rédeas desse debate. É urgente e é importante e diz respeito ao nosso futuro. Isto começa na BD e "acaba" na arte. Quando alguém telefona a outro alguém e esse alguém traz consigo o seu batalhão de advogados pagos a peso de ouro, cada um com um parecer jurídico próprio e belo e diferente e aparentemente bem fundamentado - é nesse preciso momento que começa a desgraça do artista e termina o debate das ideias realmente interessantes e transformadoras. Tudo o que é essencial é cortado pela raiz, logo aí – não tenham qualquer dúvida.


Os próprios artistas - e aqui pela minha experiência tenho de frisar: sobretudo os fotógrafos, têm de deixar de ficar tão indignados e ofendidos e tentar perceber as reais razões dos pintores, quando usam as suas fotos. Colocar-se no lugar do outro. Empatia. Muitas das nossas imagens são usadas abusivamente ? Na nossa perspectiva pessoal enquanto seus criadores a resposta é sempre simples e sempre Sim ! Mas as reinterpretações em arte são comuns e constituem nada mais nada menos do que pura e simplesmente Enormes elogios, que o pintor está a fazer ao fotógrafo ! Correr para o telefone para berrar ao seu advogado - "- Faz alguma coisa, mete um processo em Tribunal àquele tipo!", é a atitude mais fácil, mais rápida, mais impulsiva - e, francamente – igualmente a mais profundamente Tola.


Fotografia, BD, pintura... acontece em todas as artes visuais - sem excepção.


Eu dou um exemplo, que desmistifica muitas das balelas que se ouvem de vez em quando: as pinturas de Robert Rauschenberg são hoje vendidas em leilão por muitas dezenas de milhões cada uma, certo? Bom… mas ele usava colagens com fotografias de outros autores !! E não eram colagens em 5 centímetros numa tela de dois metros - eram colagens nos dois metros dos dois metros da tela ! Abrangia aquilo tudo – de alto a baixo. E que ele praticamente nem alterava grande coisa - metia uma pincelada aqui e ali e pronto. Obra acabada. Eu gosto mesmo muito da sua obra, não me interpretem mal ! Nada contra este tipo de procedimento. A nível criativo ele conseguiu efeitos visuais incríveis, inspiradores. Bem, e o mesmo se passava com o graaaande Andy Warhol, cuja Factory muita gente quer agora copiar – ele usava reproduções de fotos de outros artistas por todo o lado. Repetia tudo e mais um par de botas, e alguns amigos até chamavam a isso Arte.


Vamos lá ver se nos entendemos. Temos de começar a ser sérios quanto a isto, de uma vez por todas, caramba. Pensemos em conjunto. Vivemos na era da imagem. O artista visual trabalha com o quê? - Com imagens ! Ora, dizer ao pintor: “- Só podes trabalhar com tintas e pincéis !!” - depois de toda a gigantesca revolução artística do século XX ter aberto as avenidas estéticas, artísticas e técnicas que todos bem sabemos - isso só pode ser dito por um bruto – ou então no meio de uma anedota sobre o mercado da arte.


Deixem-me ser claro como água: o artista visual trabalha com todo o tipo de materiais. Tudo ! Se pode ser visto, se existe - pode e deve ser usado. Picasso trabalhava com a própria urina, sabiam? Depois Warhol usou esta "técnica" num trabalho que representava Basquiat, creio que era uma litografia. Duchamp usava objectos. Cesar achatava carros inteiros. Tàpies fazia pinturas com sapatos velhos e calças rotas. Miró - telas queimadas e restos de madeira que encontrava na praia. Faz sentido agora, em pleno ano de 2021, mais de um século depois de muitas destas obras e inovações terem sido feitas - tentar limitar o que o artista pode ou não fazer ?? Inacreditável !


Esta noção de que é possível e sobretudo desejável o controlo sobre a temática do artista tem o condão de paralisar tudo o resto – política de terra queimada Total ! E eu relembro agora onde esta rigidez e esta cautela se expressa da forma mais destrutiva: - todos os dias pintores cheios de ansiedade e algum medo me perguntam se podem usar esta ou aquela imagem, se podem vir a ser processados, que não sabem a lei de direitos de autor etc. Um medo que paralisa. Um receio que impede. Uma criatividade que nunca verá a luz do dia.


Todos temos a nossa opinião sobre o assunto, todos cavámos aqui a nossa própria trincheira. A minha posição pessoal - que também é a minha posição enquanto desenhador, pintor, escultor e formador de artes plásticas - pode ter muitos defeitos - mas tem uma enorme virtude: é Frontal.


Esta é uma falsa questão - e todos o sabem. Todos. Mesmo aqueles que atiçam a bandeira do autor Genial da obra incorruptível no Olimpo da Grande Arte; e mesmo aqueles que citam de cor os calhamaços de Direito que viram alguém ler na faculdade; e mesmo aqueles que nunca entenderam Guernica ou A fonte e que afastam intuitivamente os filhos do gouache e da caneta de cor e do pastel de óleo por pura ignorância medrosa. Questão falsa como Judas e os seus 30 dinheiros. Os artistas autênticos riem-se deste autêntico e totalmente amador Circo. Tudo “isto” é apenas uma construção artificiosa à volta dos interesses de muitos. E não estou a falar dos interesses dos próprios artistas – esses, ficam sempre na gaveta. Conexão com o trabalho e a inspiração e a vida diárias do artista ? ZERO. As Vieiras da Silva, os Jean Dubuffets, os expressionistas, os abstractos e 99% dos criativos ligados às artes visuais - estão a milhas de tudo isto. Querem mesmo que eu continue esta lista interminável de exemplos ? Peço desculpa mas esta questão – que é Essencial, se vista neste âmbito, tem tudo a ver com debate do foro criativo. E não tem nada de nada que ver com a área jurídica. Não metam assuntos destes em Tribunal, por favor. Pura perda de tempo, dinheiro - e paciência !!


E digo mais: os Juízes nestas coisas completamente descabidas e não enquadráveis no seu trabalho deviam pedir escusa: "- Desculpem lá, mas… arte ?? A que propósito isto me aparece por aqui, posso saber ? Isto não é do meu métier - de arte percebo pouco…". Estariam a ser 100% verdadeiros. De leis percebem. De arte... Não ! E pronto. Assunto arrumado. Os clientes dos advogados que se entendessem ! Mandem-nos para os Julgados de Paz ! Não foi para isso que os criaram, afinal ?? Que falem, que comuniquem, que se entendam ! Podem criar Leis e mais leis, diplomas, artigos, alíneas a) ou b). Escrevam de novo o Código de Hamurabi se quiserem, nas horas vagas, para passar o tempo.


Pá, estas questões são tão - mas tão, tão, tão específicas, que é absolutamente ridículo meter os Tribunais ao barulho.


Estás agora a perguntar-te: mas que diabo tenho eu a ver com isto ?? Pois é ! - Isto agora aconteceu com um pintor que tu não conheces de lado nenhum, nãão foi ? Pois amanhã vai acontecer contigo ! Ou comigo. Ignorar um problema não faz com que ele desapareça.


E a única solução para resolver este problema está no diálogo directo entre os artistas.



P.S. Peço imensa desculpa por não ter tido um só segundo para sequer pensar – quanto mais escrever, sobre o tal tema altamente relevante, fascinante, candente e até premente da tal “sexualidade de Tintin”. Defendo no entanto – e com veemência o faço, sem pestanejar, nem que seja necessário criar a Associação "Juiz.inho Tintin !" - que as personagens de BD devem ter o direito à preservação da sua intimidade. E, apesar de no mundo dos ilustradores, pintores e demais criativos visuais parecer valer tudo, obviamente que tal facto levemente desagradável nunca deverá aplicar-se ao mundo dos super- heróis que tanto amamos e a quem devemos respeito, carinho e protecção. Mas agora… já vale tudo, Não ??


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