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Cortar o oxigénio ao mercado da arte



Um dos enormes dilemas do artista plástico é a necessidade de ter de vender as suas obras para sobreviver. Ora, sabendo isso de antemão, muitos dos dúbios actores neste mercado da arte – leiloeiros e marchands à cabeça – aproveitam esta aparente fraqueza puramente conjuntural para comprar a um custo baixíssimo peças que sabem ter grande qualidade, e que, no mercado secundário e no momento histórico certo e no mercado adequado, lhes vão render lucros astronómicos.


Aconteceu com a forma como foi imposto ao mercado o Impressionismo, aconteceu com a especulação inacreditável do tubarão em formol de Damien Hirst pelo seu patrono Saatchi, e muitos etceteras.


Como dar a volta a esta situação? Um artista em princípio precisa de vender para sobreviver, certo? Vender e manter a tela ao mesmo tempo não é possível! Como solucionar esta gritante contradição? Pois bem, vou tentar analisar este dilema e também dar uma solução que seja clara – e definitiva.


Antes de mais, vejamos todas as razões possíveis pelas quais um artista vende as sua obras:

. Arte é comunicação: o artista vende para que essa tela comunique com outra pessoa, alguém que a saiba realmente apreciar, em vez de estar soterrada com muitas outras peças no seu atelier – e muitas vezes vende barato só porque sabe que o comprador gosta mesmo da peça e irá retirar dela beleza todos os dias – algo que toca a sua sensibilidade como artista e como ser humano, certamente;


. Arte é pedagogia: o artista vende para que essa obra ensine o comprador a ver a realidade de outra maneira – a sua;


. A arte pode também ser vendida como um reforço da personalidade do artista, sendo que o artista tem frequentemente uma auto- estima baixa e precisa, portanto, desta confirmação do seu talento a partir de um observador externo;

E, do ponto de vista do comprador, estas são, em resumo, as duas razões – completamente contrastantes – pelas quais ele compra uma obra de arte:

. A arte pode ser comprada como investimento, com a intenção de revenda com lucro num futuro mais ao menos próximo;


. Ou a compra acontece porque simplesmente sente uma ligação muito íntima e forte com aquela peça, em particular.

Aquilo que sugiro aos artistas e que constitui uma força até agora desconhecida é que retirem o oxigénio a este mercado eminentemente especulativo, que não se preocupa minimamente com as intenções profundas e profundamente criativas da mensagem e da alma do artista:

. Qual o oxigénio deste mercado da arte? – o dinheiro; pois bem, o artista deve então expor o seu trabalho sem que coloque um preço nas suas telas. Expor telas sem título é fácil demais e todos o fazem, actualmente, decerto à boleia do movimento conceptual. Há que ir mais longe: sem preço - nega-se ao mercado o significado de valor, com a retirada desse mesmo valor. É uma linguagem simbólica minimalista. Através desta estratégia, o resultado é o aumento exponencial da procura (e consequentemente do preço) sem que essa oferta esteja disponível para aquisição.


O que isto significa? – que o artista reconhece que as suas duas intenções principais – a arte como comunicação de valores criativos próprios e a arte enquanto pedagogia que ensina- a- ver são elementos fundamentais na sua postura perante o mercado. No fundo ele diz ao mercado: a nossa criatividade não se deixa aprisionar pela vossa interpretação abusiva de valor.

Mas… se o artista vive da venda das suas obras, como é que sem isso o artista financia a sua produção artística e a sua vida, em geral? Não parece fazer sentido! Pois. Não parece fazer sentido e no entanto faz Todo o sentido do mundo.

Resposta(s) à necessidade do artista de ganhar a vida:

. pode consegui-lo Através de mecenas – nem que seja o site Patreon ou mesmo tentar o Crowdfunding;


. ou Através da venda de prints de alta qualidade – em variadíssimos produtos de consumo em massa, desde t- shirts a cortinados, por exemplo no site Teepublic ou Society6;


. ou Através de outras actividades paralelas, como o ensino presencial ou online, incluindo cursos online no Udemy e workshops vários;


. ou ainda Através de uma actividade principal que financie a actividade do coração – a arte;

Mas o tão ansiado apoio fundamental não está fora do seu círculo de amizades - está em sua casa. As famílias devem entender de uma vez por todas que a arte é uma paixão e um trabalho de longo prazo – que dura uma vida inteira e mais além, que afecta inclusivamente várias gerações da família. E que a única regra desta actividade é o Tempo e que o único trunfo do artista é a sua vida. E por intuírem isto mesmo ou por desespero puro muitos artistas suicidam-se – dando assim ao mercado da arte a justificação há muito esperada para a inflacção imediata e galopante da obra desse artista, no seu todo. De facto, as muitas private jokes acerca deste fenómeno que circulam por aí revelam bem as verdadeiras intenções do mercado, em relação ao que sentem sobre os artistas: obras essenciais num corpo perfeitamente dispensável..


Sabendo todas estas informações, existe no entanto um improvável amplo espaço de manobra, tanto do artista como da sua família, e vou explicar agora porquê:

. Cada artista é um Mundo – um mundo interior, um continente de sonhos irrepetível e único; as suas obras revelam um estilo pessoal especial, desenvolvido ao longo de décadas e que é das poucas coisas nesta sociedade capitalista de consumo que não se podem copiar completamente; no futuro dar-se-á um valor imenso àquilo a que hoje nem merece um olhar mais atento e demorado – como aconteceu com Amadeo de Souza- Cardozo, por exemplo, que passou de enfant terrible da pintura em Portugal à genialidade pura apregoada aos quatro ventos num período de poucas gerações;


. Por outro lado, o “direito de sequência” lembra-nos que a cada revenda da obra de um artista, a sua família tem direito por lei a uma pequena percentagem do valor total desta revenda – e aqui eu pergunto: porquê deixar vender peça a peça por um pequeno valor uma colecção inteira de obras de arte, ganhando no futuro apenas esta pequena percentagem, se esperando alguns anos o valor irá aumentar em flecha e a partir daí o lucro da venda de originais será muito maior? Ao contrário do que muitos pensam, a venda de originais deve ser a última coisa a fazer – apenas quando todas as utilizações comerciais permitidas pelas imagens digitais dessas obras originais estiverem esgotadas e só quando não afectarem o núcleo de obras fundamentais, retidas pela família do artista.

Ora, ao se deixar influenciar por dinheiro relativamente rápido, esta mesma família está a abdicar do seu poder, está a abandonar totalmente um ser humano à sua sorte e ao frio calculismo do mercado e a deixar fragmentar o conjunto da sua obra. A vida, a sensibilidade de um artista implica um grande investimento. Pois bem: vendendo barato, esse investimento nunca terá retorno. De novo eu lembro: o único verdadeiro crítico de arte é a passagem do tempo. Quanto mais tempo passar, mais valorizada será a sua obra. Manter um grande número de obras fundamentais significa que é a família – e não intermediários quase sempre mal intencionados – que vai lucrar num futuro que se quer sempre presente. Quem manda são as famílias e os artistas - não o mercado.

O equilíbrio a encontrar aqui consiste em tornar conhecido o estilo do artista e legitimar o seu alto valor no mercado da arte – sem contudo abdicar da posse de um conjunto alargado dos originais mais significativos.

Conclusão: o artista tem de ter criatividade; e a sua família tem de ter racionalidade – isto quer dizer, neste contexto do mercado da arte - paciência. Paciência com o temperamento do seu artista - mas sobretudo paciência com o mercado.

Saber esperar é Mesmo A grande virtude neste jogo…


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