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Writer's pictureFrancisco Capelo

A Verdade da Mentira

Updated: Mar 24, 2021



Bom, o assunto é sério e o assunto é vasto. Vamos por partes.


As leiloeiras têm o negócio de sonho: revendem bens caríssimos que valorizam a uma taxa de inflacção inacreditável, num mercado ávido por obras de arte moderna e contemporânea. São intermediários que enriquecem com comissões generosas, e ainda por cima hoje em dia a cada novo leilão todos os anteriores recordes são pulverizados. Portanto, 5% de 100 milhões é bem melhor que 15% de 1 milhão - matemática simples, fácil cálculo, dinheiro a render. E estas pessoas têm gostos caros, ok, mas são seres simples, mesmo muuuuito simples.


Mas, o problema começa aqui mesmo: se criaram procura – ou melhor, se essa procura já existe e é espicaçada por um esquema de marketing muito competente – têm de assegurar a mercadoria nas prateleiras no momento seguinte; ou seja, há que encontrar suficientes telas dos autores certos de pessoas que queiram vender pelo preço o mais alto possível.


Falar a linguagem do dinheiro dá muito jeito nestes meandros: perde-se menos tempo assim. Onde se vende em hasta pública arte, quem a fez - o artista - está claramente a mais. Leiam o que diz Sarah Thornton sobre o que dizem os galeristas aos seus artistas nas feiras de Arte estilo Basel e vão entender. Estes Tempo$ não são para lirismos. Nada de Vieira da Silva, tudo de Trump.


Este mercado é milionário, sim, mas baseia-se – como tudo nesta vida – na relação procura/ oferta. E a oferta por vezes é escassa, para tanta procura de yuppies recém chegados ao mundo da arte em busca da promoção social e estatuto que pinturas de autores célebres proporcionam no imediato. E isso - muita procura e pouca oferta - vai fazer subir os preços em flecha, como é óbvio.



Vamos agora ver a questão de um outro ponto de vista – o ponto de vista das falsificações, um assunto bastante controverso e espinhoso.


Dizia um destes dias um falsificador muito famoso - um dos poucos que foram realmente apanhados em flagrante - em entrevista ao 60 Minutos que, olhando para os mais importantes museus – MUSEUS !! Não galerias ! , Museus, pasme-se… - via muitas das suas falsificações lá expostas, como sendo originais, claro está. E sentia orgulho. Como um pai babado. E quem somos nós, meros apreciadores de arte, para Julgar esse sentimento de orgulho - pergunto eu ? E mais não falava porque claramente sabia muito do que dizia - sabia demais. E quem sabe demais - mais cedo ou mais tarde acaba mal. Ele sabe isso muito bem e deve preferir portanto manter-se calado e discreto.


Ele - apenas ele, mas provavelmente existem muitos como ele - introduziu dezenas e dezenas de obras no mercado - pelo menos - utilizando artifícios e uma narrativa irresistível que incluiu fotografias falsificadas, uma história familiar totalmente inventada e poética, as tintas certas, as telas do período temporal certo compradas em feiras de arte e toda uma mise en céne que era difícil de não acreditar e até fácil de gostar. Foi apanhado porque, e nas suas próprias palavras:


"- Usei uma tinta branca da época errada." !!!!!!


Isto e apenas isto e nada mais do que isto... incrível, não ??


E nós temos um mercado de arte que aparentemente absorve e acredita sem questionar um segundo sequer neste tipo de fábulas de um modo dir-se-ia infantil, que qualquer análise um pouquinho mais racional de um ponto de vista um pouquinho mais externo detectava e desmontava a mil léguas de distância, provavelmente. A história de embalar que lhes contam é exactamente o que eles estão já preparados para aceitar. E os falsários, perante este estado de coisas, têm os horizontes completamente escancarados, tudo é possível, todos os sonhos são realizáveis !! Só é necessário um certo calculismo e conhecimento do mercado e uma previsão psicológica e de comportamentos absolutamente simples.



Deixem-me esclarecer o seguinte - e isto é uma informação relativamente recente, agora de um outro aspecto do mercado:


Neste momento, no mercado americano, os curiosos e talvez um pouco apressados especialistas de arte contemporânea recusam-se – ouviram bem, RECUSAM-SE – a autenticar obras de Jackson Pollock.


Porquê ?


Ora, é fácil de entender: porque os compradores não são totalmente distraídos e quando compreendem que compraram gato por lebre dirigem-se, não à galeria onde adquiriram o Pollock, ou o Klee ou Miró ou Ernst por centenas de milhar de dólares, mas ali mesmo ao lado ao Tribunal e processam o dono da galeria por lhes ter vendido uma falsificação. Quase de certeza que vai acontecer - não é SE - é Quando !


E o dono da galeria depois deve questionar e pedir explicações de uma forma previsivelmente exaltada a quem lhe autenticou aquela obra e.. Voilá ! – estão os dois metidos em sarilhos, num processo jurídico que se vai arrastar durante anos e que poderá implicar uma choruda indemnização ! Ora, como quem autentica sabe onde o rio vai desaguar, prefere... evitar a praia ! É mais ao menos isto, o que se passa, actualmente.


Pois bem, vamos então juntar as duas coisas: a gigantesca procura de telas por parte de endinheirados em princípio pouco conhecedores de arte - e a indústria que vive à custa da venda de obras de artistas famosos.


Eu serei breve, curto e grosso como dizem os nossos amigos brasileiros:


Fico absolutamente perplexo quando leiloeiros experientes, galeristas a sério e curadores de museu não pressentem, lá no seu fundo, que aquilo que têm diante de si são apenas falsificações. Há casos e casos ? - Há. Há cópias mesmo muito, muito perfeitas ? Sim. Também. Muitas vezes não têm provas suficientes, tudo bem, mas lá no seu íntimo devem pelo menos desconfiar - porque um verdadeiro especialista tem essa intuição. E eu refiro este aspecto por uma única razão: parece-me bem - por alguns indícios de análise puramente sociológica, digamos assim - que o mercado está completamente inundado deste tipo de imitações - umas mais dissimuladas e perfeitinhas que as outras, mas ainda assim todas elas falsas como Judas e os seus malditos 30 dinheiros. E eu aqui não estou a falar dos métodos tradicionais de despiste de falsificações, estilo análise da assinatura ou análise do tipo de tinta, ultra violeta, raio X ou o raio que o valha. Estou a falar do olho humano, treinado, experimentado, ligado directamente a um coração, um cérebro e um corpo, pleno de sensibilidade e que já viu centenas de obras de um artista e que portanto sabe de A a Z tudo sobre o seu estilo de pintar, desde a temática à técnica, da forma à cor, da textura à geometria, do formato ao desenho, etc etc etc.


Tenho visto algumas coisas cá pela Tugalândia- por exemplo cópias de Miró e também de alguns pintores portugueses e que agora estacionaram definitivamente em armazéns das autoridades que pelo amor de Deus... como é que aquilo passou no crivo ? Se alguma vez entrou em galerias de arte é inacreditável. Fico completamente pasmo !


Eu, pessoalmente ? Como artista visual que sou, pelos muitos livros que li e vi, em alguns autores específicos eu topava bastante bem essas cenas maradas - diria até de um só relance. Fico completamente embasbacado quando vejo "autenticar" uma obra apenas... pela Assinatura !!! Eu vejo programas de TV em que fazem apenas isso ! Tudo é rápido, tudo é imediato. O estilo pessoal do artista em obras de arte fica um pouco de lado - e não devia.. - mas o tipo de assinatura é analisado até à exaustão. Levam dezenas de exemplos em iPads, comparam, analisam o tipo de tinta e declaram:


- Autêntico !! NEXT !


Quem está a ler este artigo pode não saber isto, mas... diz-se por aí, em alguns documentários de arte, que Salvador Dalí assinou centenas de telas em branco. Pensem. Somem 2 + 2... Compreendem o alcance disto ? É apenas uma história inventada ? Um boato ? Uma infâmia ? Conhecendo o seu gosto por dinheiro não é difícil de acreditar, confesso..


E digam-me agora uma coisa: se ele o fez - o que impede outros pintores célebres de fazerem exactamente o mesmo ?? É que... se uma obra é Apenas autenticada pela assinatura, como acontecerá em mais locais do que o aconselhável... está aberta, na Arte, uma verdadeira caixa de Pandora ! Os autores originais abririam essa porta eles mesmos !?



O Diabo está nos pormenores... mas se calhar este Diabo vem travestido de notas de dólar bem verdinhas...


Estas pessoas das leiloeiras que são pagas para dar espectáculo fácil, a bem dos números e dos lucros – e que entendem bem mais daquilo que vendem, do que os outros que compram – sabem bem que tudo isto é um castelo de cartas. Tanto a nível da inflacção galopante de autores desconhecidos que alguns promoveram a heróis da arte por arte$ mágica$, como a nível de problemas jurídicos que as imitações podem provocar num futuro bem próximo.


A credibilidade do negócio está por um fio. O crivo que devia ser isso mesmo é agora um autêntico passador.


Os museus também já entraram nesta estranha dança, e hoje há uma parceria pouco escondida entre o que fazem as galerias e o que fazem os museus: 

1. Galerias valorizam os SEUS artistas;


2. Leiloeiras vendem obras de autores clássicos;


3. Milionários e estrelas globais compram e inflaccionam e revendem com lucro;

4. Finalmente os museus compram e em princípio acaba-se ali o ciclo de vida útil desse objecto.

As pessoas, ou são as mesmas de instituição para instituição ou conhecem-se bem - muito bem - umas às outras. Tudo isto num sistema egocêntrico e petulante e que exibe sinais preocupantes de uma completa indiferença e um completo desinteresse pela obra de milhares de artistas contemporâneos de evidente qualidade.


O que eu estou a analisar é sobretudo o sistema da arte nos EUA, mas se encontrarem semelhanças com a realidade portuguesa, podem generalizar, sem medo de grande margem de erro, já que não se trata concerteza de pura coincidência.


Eu não sei o que vai acontecer a médio prazo, mas cheira-me que isto não vai acabar nada bem…


"- Bolha da Arte... HELLOOO ???"


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2 comentarios


Pois assim é Francisco... e no meio ficam os 7% que todo o artista tem direito a receber por cada revenda de uma obra sua ... claro que é só para vendas acima de 5000 euros ... Assim o truque é revender a maioria das peças abaixo desse valor ou revender obras de artistas que morreram há mais de 50 anos pois aí aos 51 os direitos intelectuais são do domínio público. Ou seja os artistas ainda vivos ou mortos há penas de 1 a 49 anos que vendam obras abaixo dos 5000 euros nunca recebem o que é seu por direito... e assim vai o negócio da arte!!!

A minha pergunta é : É assim em todo o mundo…

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Francisco Capelo
Francisco Capelo
08 abr 2021
Contestando a

Fernanda... como é que eu hei-de explicar isto... é uma coisa/ sistema que já existe há muuuuitas décadas.. e se o artista cai na armadilha - fica sem as suas peças quase todas e quem ganha é quem revende após a sua morte! Nós artistas ou nos unimos agora - ou será Tarde demais. Já acontece pelo menos desde o Impressionismo e pós - Impressionismo - Pelo menos! Conheço pessoalmente casos em Portugal e na Suécia - e nesse país isto aconteceu há mais de um século!! Imagine!

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