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“Psiquiatria e antipsiquiatria” - Salvat Editora
- RESUMO -
1. O CONCEITO DE LOUCURA
A medicina passou por várias etapas em relação à perturbação mental: durante muitos séculos, ao longo de toda a Idade Média, predominaram concepções mágico- religiosas que separaram a perturbação mental do conceito de doença e a atribuíram a outras origens; no Renascimento começam já a manifestar-se opiniões que aproximam a loucura do conceito global de doença; e este modelo médico muito mais racional foi-se afirmando ao longo dos séculos XVIII e XIX.
Quando se fala de loucura, é difícil manter uma atitude científica, já que o termo é practicamente impossível de encaixar dentro do campo dos conceitos objectivos.
a) A instituição de “cura” - O MANICÓMIO
O manicómio foi durante muito tempo um dispositivo social completamente inadequado à função que lhe competia: a assistência que nele se prestava era muitas vezes inoperante e noutras, francamente prejudicial. O eminente psiquiatra italiano Franco Basaglia defende que no manicómio o mandato confiado ao psiquiatra é total, no sentido em que representa concretamente a ciência, a moral e os valores do grupo social do qual é o legítimo representante dentro da instituição. Ora, esta “carta branca” de poder absoluto pode tornar-se perigosa, como é evidente.
Para o homem descarrilado moralmente, a prisão; para o homem com o espírito doente, o manicómio; para o homem criminoso e reconhecido doente, o manicómio criminal - esta foi a fraca “conquista da ciência” até agora. Prisão e manicómio - mesmo quando já estavam separados - continuaram a conservar, no entanto, a mesma função de tutela e defesa da “norma”.
Há que reconhecer: os manicómios são autênticas fábricas de doentes.
b) Uma distorção inicial - a recuperação do ser produtivo
Infelizmente, a medicina como está organizada nos nossos países - não cura. O doente está valorizado em termos de produtividade, curado ou marginalizado segundo a sua capacidade de incorporar-se como força de trabalho num sistema que o explora. Uma verdadeira medicina que leve em conta o homem deve ocupar-se da cura dos indivíduos como pessoas, e não apenas como “seres produtivos”.
Há que travar uma luta para libertar todos os homens, sem que seja uma forma de reafirmar essa divisão não natural, determinada historicamente e que é aceite e imposta como coisa natural: a divisão de classes. A quase total ausência de elementos das classes dominantes nas instituições de doença e da delinquência demonstra bem que “o seu” estar doente, ser louco ou criminoso pode ficar englobado no ciclo produtivo - e passar despercebido.
Todas as formas de assistência pública alcançam a sua mais ampla configuração institucionalizada no momento em que se separa o “produtivo” do “não produtivo”; a relação já não se dá entre o homem e a sociedade, mas sim entre o homem e a produção. Ora, esta “evolução” da noção de doença mental é tudo menos objectiva.
CITAÇÃO
“O que é a loucura? Uma maneira diferente de ver as mesmas coisas e uma alergia a tudo o que é “normal” - realmente intolerável! É intolerável dizer que a vida é intolerável… Por isso se aprisiona num asilo quem o diz. Por medo de contágio - é isso. Embora os loucos morram, se extingam, a loucura sobrevive. Há também que destruir a loucura. Como? Privando-a de nome, emudecendo-a, privando-a do direito à existência. Esta é a função das doenças mentais. Diga-se de entrada: não existem doenças mentais, só existem doenças sociais. A loucura não é algo que acontece a um homem, mas sim algo que acontece entre homens, ou seja, na sociedade. E a psiquiatria inventou o conceito de doença mental para cobrir a verdade. E a psiquiatria, por sua vez, foi inventada para servir a ordem social interessada em tal encobrimento: a ordem burguesa” - Christian Delacampagne
c) Um caso limite - VIAGEM através da Loucura
Em 1971 apareceu a obra “Mary Barnes: viagem através da loucura”, assinada pelo psiquiatra Joseph Berke e pela esquizofrénica Mary Barnes. O livro é um relato apaixonante do processo esquizofrénico e da sua longa recuperação. As produções pictóricas de Mary Barnes (com os seus próprios excrementos) foram expostas várias vezes em galerias de arte. Por outro lado, a experiência serviu a Mary Barnes como meio de recuperação psíquica e estímulo para continuar uma obra de apostolado e realizar um trabalho de pregação num movimento com características místicas. Diz Barnes: “Passar pela loucura é uma purificação que me aproximou de Deus; quero fundir-me e purificar-me ainda mais, para que chegue à total integridade - à santidade”.
Diga-se ainda que a actividade pictórica realizada sob a influência do LSD resulta muito semelhante à que realizam alguns doentes esquizofrénicos.
d) Sãos ou loucos? - A origem “aristocrática” dos médicos da psique
Como todos os técnicos, os médicos, ao cumprirem as suas funções correctamente, contribuirão para reintegrar nesta sociedade indivíduos que serão oprimidos, reprimidos e perseguidos. A reintegração no trabalho é portanto o objetivo; e esta função do psiquiatra - é portanto uma função política.
O meio social fabrica os seus próprios técnicos em saúde mental: psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiras especializadas, terapeutas diversos e recomenda-nos uma tarefa contraditória: curar o doente deixando intactas as condições patogénicas da doença mental com o pretexto de que este não é o seu campo. A jogada estabelece-se assim: meio alienante, psiquiatra cúmplice, doente manipulado.
CITAÇÃO
“Os psiquiatras sempre provêm do bando dos sãos; os doentes mentais nunca produzem o seu próprio psiquiatra” - Nicolás Caparrós
Devemos considerar que, tal como Mary Barnes passou pela loucura como um rito de passagem auto- imposto e através dele, continuou a sua obra de evangelização profética, é imperioso que surjam terapeutas do grupo de ex- doentes mentais, alguém que tenha passado pela experiência de profunda depressão e cuja vocação pedagógica o/ a leve a questionar métodos de cura/ procedimentos médicos.
2. A ANTIPSIQUIATRIA
A antipsiquiatria não é outra coisa senão a contestação de um sistema assistencial completamente inadequado que se relaciona com conceitos errados acerca do que a sociedade entende por “perturbação mental”.
A antipsiquiatria como movimento científico iniciou-se na Grã- Bretanha com Ronald D. Laing, David Cooper e Aaron Esterton sendo os seus criadores. Entretanto em diversos países surgiram outros grupos cuja ideologia se identifica com a dos cientistas britânicos.
a) Antipsiquiatria em vários países
A ANTIPSIQUIATRIA em França
Em França quem dirige o movimento é Maud Mannoni, que concebe o “louco” como um ser que fracassou na luta que é a mesma para todos, e sustenta que já é tempo da sociedade deixar de se defender do “louco” e que a missão do psiquiatra nestes momentos é, isso sim - defendê-lo da sociedade.
A ANTIPSIQUIATRIA em Itália
Na Itália a antipsiquiatria está representada por Franco Basaglia, que instaurou ideias revolucionárias nos hospitais psiquiátricos por onde passou, mudando por completo o tipo de assistência e de tratamento dos internados - é uma personalidade que combate as falhas geradas pela inércia administrativa.
A ANTIPSIQUIATRIA em Espanha
A figura mais destacada dentro do mundo da antipsiquiatria espanhola é Ramón Garcia; Nicolás Caparrós é outro cientista espanhol interessado no movimento antipsiquiátrico.
b) FAMÍLIA e doença mental
A concepção da alienação como um produto de origem social e familiar, surgido de condições ambientais determinadas que a criam como mecanismo de resposta para certas pressões do meio ambiente circundante, é a principal/ mais destacada característica do movimento da antipsiquiatria. No entanto, para o já citado Franco Basaglia, a família é apenas o bode expiatório de uma situação: a família é uma estrutura inserida dentro da lógica de um sistema social. Não serve de nada, diz-nos este autor, culpabilizar um membro ou outro da estrutura porque personalizando, as culpas desconhecem-se e portanto encobrem as causas reais.
Em “A morte da família”, Cooper vai além da consideração do ser familiar como causa produtora dos estados esquizofrénicos e realiza uma crítica a fundo desta instituição, que considera completamente fracassada; ele chega à conclusão de que o núcleo familiar, como célula fundamental da sociedade capitalista (herdeira da sociedade esclavagista e da sociedade feudal, recordemos) - já cumpriu a sua missão histórica, e que na actualidade carece de um sentido. A família como núcleo primeiro da sociedade apresenta características da escola, das grandes fábricas, do exército, da universidade e da Igreja, estruturas sociais que segundo o autor são também alienantes. A partir do estudo da loucura, a antipsiquiatria, na sua atitude revolucionária, assinala as falhas e os graves defeitos dos chamados “indivíduos normais”, para chegar a uma atitude de total recursa da vida da nossa sociedade.
A consideração da família como “ unidade esquizofrénica básica” é um dos contributos mais originais da obra de Laing. No seu segundo livro, “The Self and the Others” ele introduz o conceito de “Fantasma” e sua relação com a evolução interna da esquizofrenia: a simulação e a ilusão são os mecanismos que entram frequentemente em jogo e que representam formas de relação com a realidade, segundo as respostas individuais. Também neste livro Laing usa o conceito de double bind (“duplo- vínculo”), situação na qual a vítima se encontra submetida a uma série de tensões que são radicalmente opostas. Por exemplo: “Se não fizeres isto serás castigado”; ao mesmo tempo existe um outro mandato secundário mais abstrato, que se capta por meios não verbais: “No fundo podes fazê-lo”; e por vezes pode existir um terceiro mandato negativo, que impede a vítima de encontrar um caminho adequado. Estas comunicações duplamente ambíguas podem povoar o universo familiar, sobretudo em famílias com estrutura tradicional, quer dizer - paternalista. O duplo vínculo pode encarar-se como o ponto de partida de toda a condição esquizofrénica. Quando a psiquiatria ortodoxa põe a etiqueta de “esquizofrenia” sobre a vítima expiatória da família através de uma cerimónia de degradação que é a admissão num hospital psiquiátrico, inicia-se assim a vida de um novo doente mental. Em posteriores obras, Laing aprofunda o tema e defende que os efeitos desta família doentia não correspondem a uma autêntica doença, mas sim a um produto reactivo sociogénico, cuja linguagem tem de ser reconhecida e interpretada de forma correcta.
O facto de vivermos num ambiente criado por uns pais severos, exigentes, que pretendem impor um ideal para além das possibilidades dos seus filhos, são situações habituais no seio da nossa sociedade, mas - há que reconhecê-lo - nem sempre têm como consequência a produção de esquizofrénicos. Os antipsiquiatras aprenderam a compreender a linguagem do esquizofrénico que para eles é sempre claríssima: um grito de ajuda cuja descodificação é quase sempre elementar.
CITAÇÃO
“Nunca se encontrou uma causa química para a condição chamada esquizofrenia: em primeiro lugar ela não é uma condição mas sim um termo de invalidação pessoal e social” - Joseph Berke
Indo além do núcleo familiar, falemos também do cancro “formato- Turma” que no nosso sistema de ensino produz muitos mais casos de doença mental ao ralenti, através dos inúmeros casos diferentes de “bullying”, que quase sempre passam “debaixo do radar” social. A psicologia dos pequenos grupos tem neste formato totalmente ultrapassado uma mina de ouro de investigação que, a ser levada a cabo, creio - não cessaria de nos surpreender.
c) A LUTA CONTRA OS FÁRMACOS
A farmacologia experimentou um espectacular progresso quanto à produção de compostos químicos capazes de melhorar a situação de um bom número de doentes mentais. Isso originou uma verdadeira revolução no âmbito da assistência psiquiátrica. O psiquiatra hospitalar possui hoje uma extensa gama de drogas que lhe permitem actuar sobre a agitação, a ansiedade, as alterações psicomotoras, a impulsividade e a explosividade. Mas esta utilização de recursos da “camisa de forças química” é contestada pelas posições antipsiquiátricas, pois submeter um doente a um tratamento psicofarmacológico é um ataque à sua personalidade e os efeitos secundários constituem para eles autênticas agressões; por isso uma premissa básica da antipsiquiatria é a suspensão do tratamento farmacológico. A posição quanto ao alcance que os actuais medicamentos têm na sua acção sobre o núcleo das psicoses é um problema que continua vigente.
Seria corajosa a atitude de eliminação gradual de medicação por parte dos psiquiatras actuais, até ao mínimo possível - contudo poucos são os que arriscam tal medida, a bem de um conservadorismo que deu provas de estabilidade na vida psíquica dos seus pacientes.
d) OS PRECURSORES da antipsiquiatria
Lendo George Rosen se demonstra que a história da loucura vai muito mais atrás, enquanto a história da psiquiatria é muito mais moderna.
O Dr. Ronald D. Laing é geralmente considerado como o iniciador da antipsiquiatria; a sua obra “The divided self” introduziu pontos de vista inovadores. Para Laing, um esquizofrénico é um ser supersensível e privilegiado, capaz de captar a loucura do ambiente.
A antipsiquiatria abre uma nova perspectiva da relação entre o médico e o doente mental; sugerindo uma interacção íntima e prolongada entre ambos e, sobretudo, desprovida de qualquer sinal coercitivo ou paternalista.
Entre os precursores deste movimento citemos a Drª M.-A. Sechehaye, que rompe com a concepção tradicional de saúde mental: para ela não constitui o par de doente e médico, mas antes de seres humanos comprometidos com uma experiência comum. Neste aspecto, recorda a posição preconizada pelos psiquiatras teóricos L. Binswanger, M. Boss e E. Minkowski.
Generalizando sem receio de errar, a esquizofrenia foi a condição pessoal de um bom número de artistas e o tema central de muitas obras literárias e cinematográficas.
Erwing Goffman é outro dos precursores do movimento antipsiquiátrico; a ele se deve a obra “Asylums”, que descreve os manicómios como organizações totalitárias, à semelhança das prisões, dos quartéis e os internatos. Outra obra essencial de Goffman é “Stigma”, que descreve o estigma da doença mental, que manteve a sua capacidade primitiva de significar o mal num ser humano.
Outro autor, E. Kraepelin, tentou criar uma nosologia psiquiátrica que abarcasse todas as possibilidades do adoecer psíquico; contudo não deu os frutos pretendidos. A ideia de abandonar toda a ambição nosológica e de renunciar ao diagnóstico e limitar-se a uma análise estrutural dos sintomas são marcos que balizam os últimos anos da psiquiatria. Seria excelente a pesquisa das causas reais dos problemas mentais - em vez da leitura apressada dos sintomas, muitas vezes contraditórios.
Thomas S. Szasz é um psiquiatra que pugnou por demolir o âmbito dos conceitos e os quadros nosológicos rígidos sobre os quais tradicionalmente se apoiou a noção de doença mental, trabalho que iniciou na sua obra “O mito da doença mental”. Szasz parte do estudo da histeria e diz-nos que toda a psiquiatria se baseia em meras aparências: o mito da histeria permite que se possa generalizar e falar do mito da doença mental. Esta obra de 1961 teve um grande impacto e foi a fonte do movimento antipsiquiátrico.
e) A confusão da Linguagem técnica
Numa das últimas obras do autor, “O segundo pecado”, Szasz atribui muitas das perturbações actuais, nas quais se incluem as da psiquiatria, à confusão da linguagem: o médico fala ao doente numa linguagem que este não entende. Estamos a viver uma época em que se produzem análises complicadíssimas - destinadas a grupos de elite - sobre situações simples, porque a complicação está ao serviço da confusão e esta é uma arma de dominação.
As alterações da personalidade, as perturbações mentais, correspondem a uma situação humana - e isso é sempre válido; num segundo tempo esta situação humana cataloga-se, e é assim que aparecem as etiquetas de doença. A doença é a burocratização da necessidade que essa situação humana representa. O grande equívoco que acontece aqui é que os psiquiatras tomam o aspecto burocrático da doença e não a necessidade que está expressa: o médico vai em busca das doenças mais sofisticadas, para determinar uma graduação da doença: este é um problema da linguagem técnica, um vocabulário que torna mais complexo o fenómeno, mas que - e é isto o que é grave - deixa intacta a necessidade.
f) O afrontamento da psiquiatria e da ANTIPSIQUIATRIA
A assistência psiquiátrica pode hoje praticar-se de uma forma completa prescindindo da instituição hospitalar psiquiátrica tradicional, sendo que esta assistência pode realizar-se perfeitamente no âmbito de uma assistência hospitalar geral (1). Por outro lado, a psiquiatria actual está preparada para realizar uma assistência practicamente absoluta dentro do regime ambulatório (2) - ou seja, assistência ao doente no seu ambiente habitual, sem abandonar a família, os amigos nem sequer o trabalho.
As oficinas protegidas, as quintas, as casas de recuperação, as residências para idosos e outros estabelecimentos semelhantes devem substituir os actuais manicómios e asilos.
Um dos erros dos antipsiquiatras é fixar a sua atenção no estado actual da assistência psiquiátrica e horrorizar-se com as suas deficiências, julgando que nelas reside o autêntico problema da perturbação mental. Deve dizer-se igualmente que a barreira estabelecida entre a loucura e a razão, entre a anormalidade e a normalidade, é mais teórica do que real.
O diagnóstico de “esquizofrenia” converteu-se num diagnóstico de comodidade, num rótulo válido para justificar os múltiplos casos que parecem obscuros e sem possibilidade de classificação mais precisa. Diagnósticos do tipo de “esquizofrenia”, “reacção esquizofrénica”, “reacção psicótica”, “crise psicótica da adolescência”, etc, carecem de uma base científica válida. Os internamentos em hospitais psiquiátricos contribuem para criar autênticos quadros patogénicos pela má concepção inicial.
Um diagnóstico rápido pode ser fatal para um ser hiper- sensível.
Na realidade, a resposta favorável a uma determinada terapêutica no mundo da medicina nada prova - e na psiquiatria muito menos. Existem hoje dezenas de tendências ou terapêuticas em geral, de diferente orientação, que constituem verdadeiras seitas, que não param de trazer curas e “novos” métodos.
CITAÇÃO
“A aplicação da ciência médica, em nenhuma doença pode limitar-se à aplicação de fármacos, e muito menos nas doenças do sistema nervoso” - John Conolly
3. Obras marcantes - LAÇOS
Uma obra chave de Ronald Laing é “Knots” (Laços) (1), na qual em poucas páginas se faz uma descrição das relações básicas que se estabelecem entre as pessoas. Sob o aspecto plácido e saudável do casal de namorados cheio de arroubos oculta-se muitas vezes uma fixação regressiva e alienante, fonte de incomunicação.
Por sua vez, David Cooper contribuiu para estabelecer as bases teóricas e filosóficas do movimento antipsiquiátrico. Na sua obra “Psiquiatria e antipsiquiatria” (2), Cooper insistiu em que a violência, em psiquiatria, é introduzida pelo próprio sistema assistencial, sendo que neste momento já não se usam alguns métodos mais radicais (correntes, choques); no entanto a “camisa- de- forças química” (administração de grandes doses de psicofármacos agressivos) e o tratamento hostil do pessoal técnico permanecem; sendo que todos estes factores constituem a única causa da crispação que os doentes manifestam.
4. Novas opções - A TERAPÊUTICA comunitária
A experiência da comunidade terapêutica talvez tenha pouco de terapêutica. Com a psicanálise ocorre algo de parecido; e o próprio Freud expressou as suas dúvidas sobre ela.
Falando do desenho por exemplo, este não tem apenas um valor de diagnóstico; o doente mental que desenha tem uma oportunidade, quase nunca recusada, de organizar simbolicamente o seu caótico mundo interior. Se este trabalho é, além do mais, realizado em grupo (como propunha Cooper), o doente pode valer-se dele para atenuar os seus problemas de comunicação.
a) A EXPERIÊNCIA de Kingsley Hall
Em 1965 Laing, Cooper e Esterton fundaram a Philadelphia Association para investigar as causas das doenças mentais; o centro de Kingsley Hall foi a principal instituição subvencionada pela associação. Funcionou de 1965 a 1970 e a sua existência foi tempestuosa; realizavam-se seminários de estudo consagrados à psiquiatria, sociologia, métodos de cura, etc - praticava-se pintura, dança e teatro como meios de recuperação. Podemos traçar um paralelo com a mítica escola de artes e ofícios Bauhaus, que desenvolveu a sua actividade nos anos 30 na Alemanha. Em Kingsley Hall não havia qualquer regulamento e a liberdade era total.
Na vertente da assistência psiquiátrica é importante o contributo de Maxwell Jones, conhecido sob o nome de comunidade terapêutica: Jones tentou renunciar à estrutura tradicional de clínica psiquiátrica e criou um tipo de instituição em que o doente não se diferenciava do médico nem do resto do pessoal: as decisões tomavam-se em conjunto, incluindo aquelas sobre a atitude terapêutica.
b) O FUTURO da assistência psiquiátrica
Se se considerar que a única causa de adoecer psiquicamente é o meio ambiente, então é possível que sejam válidas muitas das afirmações da antipsiquiatria.
Por outro lado, se se adoptar uma atitude objectiva, há que reconhecer que existe uma grande quantidade de factores que concorrem relacionados entre si, no desenvolvimento da perturbação mental. Os achados da genética e os enormes avanços na bioquímica e a psicofisiologia estão a contribuir com uma grande quantidade de dados que permitem afirmar que não é no ambiente social ou nas perturbações do meio familiar onde residem as causas últimas da doença psíquica.
(não concordo com esta afirmação: o factor social continua para mim a ter a primazia na causalidade dos desequilíbrios emocionais/ mentais)
A psiquiatria do futuro será mais eficaz, mais racional, mais humana, e prescindirá completamente do manicómio. Nesta psiquiatria não terão lugar posições negativas, já que, se a psiquiatria aspira a ser ciência, não é possível que existam duas ciências para a mesma verdade.
A antipsiquiatria demonstrou que o factor familiar e social é o elemento- chave na doença mental - sendo assim, a ciência que deve acompanhar estes casos é a Sociologia; não a Psicologia/ Psiquiatria. Não há portanto duas ciências para a mesma verdade (Psiquiatria e Antipsiquiatria); há apenas uma - Sociologia, neste caso auxiliada da Psicologia social/ psicologia dos pequenos grupos.
“A antipsiquiatria coloca a todo o psiquiatra uma série de questões para as quais ainda não se encontrou resposta; há que admitir que num futuro não muito longínquo possam surgir posições de síntese entre a psiquiatria e a antipsiquiatria.”
Penso que tais posições de síntese não serão possíveis, pois as duas opiniões técnicas são demasiado opostas; o que se irá verificar é a substituição da Psiquiatria pelo “Método integrado” de ciências sociais: Antropologia/ Psicologia e Sociologia.
Para dar apenas um exemplo, a praxe aos alunos caloiros, que ocorre nas Universidades, é tanto um fenómeno de índole psicológica (o próprio ser humano tem necessidade de algo semelhante), como um rito de passagem moderno (fenómeno do âmbito antropológico, como é sabido), tendo ainda uma expressão sociológica mais visível, dentro de um pequeno (ou até maior) grupo - o formato- Turma (ou turmas).
A antipsiquiatria abriu, com a sua interpretação (correctíssima) do ambiente familiar/ social enquanto causador de doença mental, uma verdadeira “caixa de pandora” - sendo que a disciplina que a vai “fechar” terá de ser, não apenas uma disciplina - mas uma tripla ciência social:
1. Psicologia;
2. Antropologia;
3. e Sociologia.
, através do referido “Método integrado”.
Também a terapia no futuro terá de estar integrada, com 3 vertentes principais:
1. Sessões individuais de socio/ psico- terapia;
2. Aulas de desenho e pintura (arte- terapia);
3. Espiritualidade antiga e auto- massagem (espírito/ animismo e corpo).
Insisto numa pedagogia individual por esta razão:
"A solidão é para mim uma fonte de cura que faz minha vida valer a pena. Falar costuma ser um tormento e preciso de muitos dias de silêncio para me recuperar da futilidade das palavras." - Carl Jung
(concordo - em absoluto)
Francisco Capelo
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